COVID-19: Attacks the 1-Beta Chain of Hemoglobin and Captures the Porphyrin to Inhibit Human Heme Metabolism

Aurora De Fátima Bernardes Andrade
Médica - Hipnoterapeuta Clínica e Sistêmica

Comentários sobre o paper

Wenzhong, L. and L. Hualan,
COVID-19:
Attacks the 1-Beta
Chain of Hemoglobin and Captures the Porphyrin
to Inhibit Human Heme Metabolism. ChemRxiv, 2020.

Trata-se de um estudo que utilizou um modelo de hemoglobina (Hb) homológo à Hb humana pela tecnologia de acoplamento molecular realizado na School of Computer Science and Engineering, Sichuan University of Science & Engineering, Zigong, 643002, China.

Este estudo defende a hipótese de que o novo coronavírus codifica proteínas não-estruturais capazes de atuar nas cadeias beta-globínicas da hemoglobina (formada por 2 pares de cadeias polipeptídicas [sobretudo alfa e beta, que formam a Hb A] e uma estrutura porfirínica (heme) que contém o átomo de ferro) dissociando o átomo de ferro da estrutura porfirínica, lembrando que o oxigênio liga-se ao átomo de ferro e é transportado por este, dentro da Hb, para todas as células do organismo; e, no pulmão, o ferro na forma divalente libera o CO2 (desoxiHb) e captura o O2 nas células alveolares reassumindo a forma trivalente (oxiHb).

Isto levaria à redução da capacidade de transporte de oxigênio com isquemia/necrose em diferentes tecidos e, segundo os autores, explicaria a intensidade do processo inflamatório a nível pulmonar, uma vez que os alvéolos tornam-se incapazes de realizar a troca CO2/O2. Sugerindo, portanto, que a lesão do parênquima pulmonar seja consequência da hipóxia/necrose e não efeito direto da atividade inflamatória provocada diretamente pelo vírus nos alvéolos.

(Comentário: Até o momento, não há evidência científica que suporte este mecanismo de que o vírus entre no glóbulo vermelho e interaja com a Hb ou heme; não há evidência que confirme que os glóbulos vermelhos sejam um sítio importante de localização ou replicação viral)

O texto relata que a infecção pelo COVID-19 causa redução da Hb e contagem dos neutrófilos na maioria dos pacientes, e aumento significativo da ferritina, VHS, PCR, albumina e DHL.

(Comentário: Isto deve-se ao processo inflamatório/infeccioso que também acontece em muitas outras situações).

Sugere que com o decréscimo da Hb e aumento do heme, o organismo acumula muitos átomos de ferro que pode causar inflamação, o quê explicaria o aumentos destes parâmetros laboratoriais aumentados.

(Comentário: Isto é verdade, mas é possível encontrarmos pessoas com redução de oxigenação tecidual mesmo com Hb normal).

O autor fala que a ferritina liga-se aos átomos de ferro para reduzir o dano.

(Comentário: não é verdade. A ferritina é uma proteína de depósito de ferro, quem se liga aos átomos de ferro livre é a transferrina [até um certo limite de ferro livre]; por ser uma proteína de fase aguda, a ferritina aumenta em situações de inflamação/infecção.)

O texto refere redução da afinidade do oxigênio com o ferro do heme por ação de proteínas não-estruturais do vírus levando a um quadro de isquemia/hipóxia/necrose independentemente da queda da Hb.

(Comentário: É uma especulação e não temos evidência/dosagem de aumento de ferro livre [ferro não ligado à transferrina] no soro.

O texto sugere que a carga viral pode determinar a gravidade do quadro, quanto maior a carga viral, maior a quantidade de Hb comprometida.

(Comentário: Ilação sem nenhuma evidência científica comprovada).

O texto também sugere o uso da cloroquina, pois este medicamento é capaz de ligar-se à proteína viral inibindo a ação deste à porfirina

(Comentário: Ilação sem nenhum dado científico comprovado).

Além do cloroquina, a partir deste estudo, tem-se veiculado propostas de tratamento como câmara hiperbárica, transfusão de hemácias com Hb normal.

(Comentário: Muito cuidado porque, assim como a cloroquina, não há nenhuma evidência cientifica comprovada para a indicação ou recomendação de tais procedimentos).

Os próprios autores escrevem que este estudo tem apenas o objetivo de discussão acadêmica e que os resultados/conclusões precisam ser confirmados por outros laboratórios. Não há informação inclusive se os autores, da área de engenharia, tiveram algum suporte médico por tantas afirmações e inferências inadequadas e incorretas.

Ainda com relação ao ferro e a Hb, na minha opinião, a anemia é multifatorial incluindo dois grandes componentes:

  1. 1.processo inflamatório com liberação de citocinas que inibem a eritropoese (reduzindo a Hb e o numero de reticulócitos) e, porque não, a hematopoese, pois também observa-se leucopenia, linfopenia, e plaquetopenia;
  2. 2. síndrome hemofagocítica com fagocitose de hemácias e leucócitos, e liberação de grande quantidade de citocinas inflamatórias na corrente sanguínea, aumento significativo de ferritina e DHL; parece-me mais hemólise extravascular [macrófagos do baço, fígado] que intravascular [não vemos hemoglobinúria, hemossiderinúria].

Segundo alguns estudos, a queda de Hb, em média, não é de mais de 2 g/dL na maioria dos casos, o que, por si só, não explica toda a sintomatologia dos pacientes.
Conclusão
Concluo meus comentários e observações dizendo que é preciso desmistificar esta estória da hemoglobina e que, com o que temos de evidência científica até o momento, não é possível afirmar, como alguns colegas de outras especialidade tem feito, que a infecção pelo covid-19 seja uma doença hematológica com complicações pulmonares.

Rodolfo Cançado
CRM 56697/SP
Hematologista
Prof. Adjunto FCM da Santa Casa de São Paulo

Referências consultadas:

• Zhang, H., et al., Histopathologic Changes and SARS-CoV-2 Immunostaining in the Lung of a Patient With COVID-19. Ann Intern Med, 2020.

• Ganz, T., Does Pathological Iron Overload Impair the Function of Human Lungs? EBioMedicine, 2017. 20: p. 13–14.

• Liu, J., et al., Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell Discov, 2020. 6: p. 16.